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Redução da carga fiscal nas renegociações de dívidas e na venda de UPI em recuperações judiciais

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Autora: Silvania Tognetti –

Derrubada dos vetos presidenciais à Lei 14.112/20 pelo Congresso diminuiu o custo tributário das recuperações judiciais

A recuperação judicial tem sido a alternativa para muitas empresas diante do cenário de crise prolongada que vivemos no Brasil. Com o objetivo de aperfeiçoar a recuperação judicial, foi promulgada a Lei 14.112/20 com importantes alterações à Lei 11.101/05, dentre elas algumas soluções para temas tributários que eram recorrentes em recuperações judiciais: a tributação (i) do ganho de capital na venda de UPI (artigo 6º B) e (ii) das reduções obtidas na renegociação de dívidas (artigo 50-A). Entretanto, ao sancionar a lei, o Presidente vetou os dispositivos, alegando que seriam renúncias fiscais, mas o Congresso Nacional, em 17/03/21, derrubou estes vetos.

Qual a relevância da derrubada dos vetos? Ela permitiu reduções importantes nos custos tributários que afetará a maioria das recuperações judiciais.

Uma recuperação judicial pode ter vários formatos, mas todos eles passam por renegociação de dívidas com os credores e, muitas vezes, pela venda de uma UPI (unidade produtiva isolada). Estas duas situações traziam consequências tributárias que afetavam o fluxo de caixa das empresas em crise e poderiam se tornar um empecilho na hora de decidir por ingressar com a recuperação judicial.

Como forma de preservar empregos e reforçar o caixa de empresas em crise, é comum a venda de ativos que formem uma unidade produtora isolada. A venda destes ativos gera ganho de capital para a empresa, porque a maior parte deles está totalmente depreciada e registrada por valores menores do que o que se consegue obter ao vender os ativos como uma unidade de negócio. Este ganho de capital, quando é tributado pelo Imposto de Renda e pela Contribuição Social sobre o Lucro, direciona para os cofres da União um caixa que poderia ser necessário para a retomada da empresa.

Durante o processo legislativo da lei de reforma, desenhou-se como solução permitir que as empresas pudessem pagar esses tributos com os prejuízos fiscais e com as bases negativas da contribuição social, sem a limitação dos 30% que se aplica como regra geral. A utilização de prejuízos fiscais e bases de cálculo da contribuição social está limitada anualmente a 30% do lucro apurado no exercício. As empresas em recuperação judicial tendem a ter altos valores de prejuízos fiscais em razão dos problemas em sua atividade, que culminaram com a recuperação. Permitir que utilizem estes prejuízos de forma ilimitada para liquidar os tributos na venda da UPI é uma forma de preservar o caixa destas empresas (novo artigo 6º B da Lei 11.101/05). Importante ressaltar que no caso do ganho de capital na venda de UPI não há incidência de Pis e Cofins, razão pela qual a solução para o IRPJ e Contribuição Social sobre o Lucro foi suficiente.

Outro tema que trazia custo tributário relevante era a renegociação de dívidas. A renegociação de dívidas tem por objetivo a obtenção de descontos e outras facilidades para ajudar a empresa a liquidar seu passivo. O problema é que toda redução de passivo em uma empresa é contabilizada tendo como contrapartida uma receita. Para a União Federal, esta receita seria tributável pelas contribuições do PIS e da COFINS, além do Imposto de Renda (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro (CSL). Os contribuintes, porém, se insurgiam contra esta tributação, alegando que não está presente na redução do passivo qualquer capacidade contributiva que pudesse autorizar uma tributação, o que gerou processos administrativos e judiciais.

A controvérsia se insere em um tema muito mais amplo no direito tributário: a tributação de reduções de passivo em geral. Não é raro credor e devedor manterem passivo que não poderá ser liquidado, porque, se o credor perdoar a dívida, gera para o devedor um passivo tributário de quase 40% do valor perdoado. Investidores internacionais que criaram empresas no Brasil que fracassaram não conseguem encerrar a empresa brasileira, pois não acham solução para a tributação do perdão de dívidas existentes com a matriz estrangeira. E muitos outros exemplos poderiam ser dados das dificuldades que esta hipótese de tributação traz.

Nos debates do processo legislativo da Lei 14.112/20, construiu-se uma solução, ao menos, para as reduções de passivo no âmbito da recuperação judicial. A lei definiu que tais receitas não compõem a base de cálculo das contribuições do PIS e da COFINS. Além disso, autorizou a utilização de prejuízo fiscal e base negativa da contribuição social de forma integral no pagamento de IRPJ e CSL sobre estas receitas, da mesma forma, como foi autorizado para o ganho de capital na venda de UPI mencionado acima. Estas previsões estavam no artigo 50-A que a Lei 14.112/20 introduziu na Lei 11.101/05 e que foi objeto de derrubada de veto pelo Congresso Nacional.

Estes dispositivos com atenuações de carga fiscal não foram benesses concedidas aos contribuintes, mas resultado de uma negociação que também beneficiou a Fazenda Pública, conferindo-lhe mais força na defesa de seu crédito junto às empresas em recuperação judicial. O fato é que estes dispositivos foram resultado de uma negociação que causou espanto ao serem vetados. Agora, com a derrubada dos vetos, vamos ver se a nova legislação consegue cumprir seu objetivo de facilitar a recuperação dos negócios e a manutenção dos postos de trabalho.

Silvania Tognetti é advogada tributária e sócia do Tognetti Advocacia.

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Do medo reprimido à fuga química, o homem que aprendeu a não temer vive refém da própria coragem

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Autor: Nailton Reis*

Neste artigo propõe um caminho para compreender o que a psicologia chama de “fuga da realidade”. Essa expressão, muitas vezes usada de forma genérica, descreve o movimento em que o sujeito, incapaz de lidar com o próprio mundo interno, seus sentimentos, medos e frustrações, passa a recorrer a comportamentos ou substâncias que o afastam de si mesmo.

Aqui, vamos construir um percurso lógico para entender como essa fuga pode acontecer na vivência masculina, especialmente em contextos de masculinidade tóxica e repressão sexual. Este artigo busca elucidar tais questões para complementar a série de textos disponíveis em @iMentesPlurais, trazendo de maneira clara, acessível e didática as discussões que envolvem a dependência química e seus desdobramentos emocionais.

É importante deixar claro que a dependência química não nasce apenas desse modo, e nem toda pessoa dependente passa pelo mesmo caminho. Mas essa é uma das possibilidades de compreensão: quando o uso de substâncias se torna uma forma de sustentar o papel de “homem de verdade”, aquele que não sente, não chora, não fraqueja.

Esse será, portanto, um olhar sobre o meio masculino como espaço de adoecimento e performance. Vamos examinar como a repressão dos sentimentos primários, a inibição emocional e a busca por aceitação social formam o terreno do uso abusivo, quando o sujeito passa a usar a substância para performar um personagem e não para se expressar.

Desde cedo, o homem é ensinado a não sentir. A ideia de “ser homem” vem carregada de mandamentos invisíveis: não chorar, não demonstrar medo, não hesitar, não fraquejar. E há um mandamento que é o mais perigoso de todos: “homem não pode ter medo”. Esse comando parece pequeno, mas ele vai moldando toda a forma de se relacionar com o afeto e com o risco.

  1. – Se eu não posso ter medo, então eu não posso dizer que estou com medo.
  2. – Se eu não posso dizer, eu não posso pedir ajuda.
  3. – Se eu não posso pedir ajuda, eu vou ter que parecer corajoso o tempo todo, mesmo quando estou apavorado.

Na adolescência, esse falso “não tenho medo” se mistura com o grupo e vira espetáculo. O menino que aprendeu a não demonstrar medo em casa, para não ser chamado de frouxo, agora entra num grupo que pede que ele prove o tempo todo que realmente não tem medo. É aí que aparece aquela cena que muita gente pergunta:

Mas por que ele não tem medo da polícia? Por que ele encara a morte, o racha, a briga de rua, como se fosse nada?

Muitas vezes não é que ele não tenha medo, é que ele foi treinado a inibir o medo. O sentimento existe, mas está soterrado. O que aparece é a performance de coragem. E a substância, o álcool principalmente, ajuda a sustentar essa atuação.

Essa é a educação emocional negativa que molda o menino. Ele aprende não o que fazer, mas o que evitar. A mensagem é clara: emoção é fraqueza, medo é coisa de quem não é homem. O resultado é um sujeito que cresce sem vocabulário emocional, sem autorização para expressar o que sente e, por isso, sem saber o que fazer com a própria dor.

Essa repressão dos sentimentos primários, medo, tristeza, afeto, necessidade de cuidado, cria uma espécie de silêncio interno. O menino que engole o choro cresce inibido, retraído, tímido. Não porque nasceu assim, mas porque aprendeu a conter. E essa contenção emocional, ao longo do tempo, não some, ela se acumula. Quando chega a adolescência, ele se depara com o grupo de pares, onde o valor não é a sensibilidade, e sim a ousadia.

No grupo, o que define o “homem” é o quanto ele aguenta, o quanto ele conquista, o quanto ele se impõe. Quem é tímido, quem hesita, quem se mostra vulnerável é ridicularizado. Surge então a fórmula do pertencimento: “se eu não posso ser, eu preciso parecer“. E para parecer, ele recorre àquilo que o ajuda a vestir a roupa da coragem: a substância.

O álcool, especialmente, aparece como o primeiro facilitador. Ele desinibe, solta a voz, reduz a vergonha, mascara a insegurança. Na prática, ele empresta coragem. É ali que a dependência simbólica começa, antes mesmo da química. O sujeito percebe que, sob o efeito da substância, ele é mais engraçado, mais confiante, mais sedutor. Ele descobre uma nova forma de existir, e essa forma vem com o rótulo de “homem de verdade”.

Mas há um preço alto nisso. Quando o homem passa a depender da substância para performar, ele cria uma segunda identidade, uma versão socialmente aceita, mas emocionalmente vazia. Ele bebe para ser. E quanto mais bebe, menos ele é. O “homem de verdade” que ele mostra para o mundo vai, pouco a pouco, substituindo o sujeito que sente, que erra, que precisa de ajuda.

A comunidade masculina, a dos amigos, das festas, das comparações, reforça esse papel. Cada dose é uma prova de masculinidade, cada transa, uma medalha. O problema é que, sem perceber, ele passa a usar não pela substância em si, mas pela validação que ela proporciona. A droga vira um espelho distorcido onde ele se reconhece. E é nesse espelho que o homem perde o próprio reflexo.

Com o tempo, o corpo se adapta e cobra. O prazer químico se impõe sobre o prazer humano, e a dopamina, aquele neurotransmissor que antes sinalizava conquista, afeto, motivação, passa a responder apenas à substância. O corpo reage, mas o sentimento não acompanha. Ele tenta manter o desempenho, o mesmo humor, o mesmo vigor, mas o que antes era natural agora depende de algo externo. É assim que a performance vira prisão. O sujeito não bebe mais para curtir, mas para não desmoronar. Não usa mais para se divertir, mas para continuar sendo o homem que inventaram para ele.

A psicologia compreende essa dinâmica como um tipo de fuga da realidade afetiva. Ao invés de entrar em contato com o que dói, solidão, medo, rejeição, impotência, o homem anestesia. Ele substitui o sentir pelo fazer, o vínculo pelo desempenho, o afeto pelo uso. E assim, o que parecia força revela-se fragilidade disfarçada.

O homem que precisa se drogar para ser homem está sendo homem para os outros, e não para si.

Reconhecer isso é o primeiro passo. O tratamento psicológico não retira a masculinidade, ele a reconstrói. Ensina o sujeito a se reconhecer sem precisar se esconder, a sentir sem medo de parecer fraco, a falar sem precisar se embriagar. O que antes era fuga, vira reencontro. E é nesse ponto que o homem, pela primeira vez, pôde existir sem performance, sem disfarce, com verdade.

*Nailton Reis é Neuropsicólogo Clínico com especialização em Neuropsicologia Cognitiva Comportamental, Avaliação Psicológica e Psicologia do Trânsito em Cuiabá-MT – CRP 18/7767

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