Artigo
Por que amamos o medo?
Autor: Fabricio Azevedo* –
Primeiro veio o temor da queda, seguido pela aversão a cobras. Esses medos já assombravam os ancestrais muito antes deles descerem das árvores. Quando desceram, outros terrores surgiram com predadores como leões. Mesmo quando não éramos caça, o medo do frio e da fome eram constantes.
A consciência se expandiu, e medos mais difusos surgiram, como o da escuridão, da morte e de eventos futuros, como a perda de alguém querido. Também aprendemos a temer o maior predador da humanidade: outras pessoas.
A reação ao medo evoluiu cedo nos primatas: luta ou fuga. Duas estruturas gêmeas conhecidas como amígdalas cerebelosas desencadeiam uma resposta hormonal, liberando adrenalina e cortisol. A pulsação aumenta, mais sangue é bombeado para os músculos e os sentidos ficam mais alertas. Tudo para sobreviver ao perigo.
Hoje as ameaças diminuíram. Armas surgiram, e predadores viraram caça. Agricultura e fogo varreram a fome e o frio. E inventamos, ainda que falhos, mecanismos como leis para o homem não ser o lobo do homem. O medo parecia obsoleto.
Mas algo estranho aconteceu. Criou-se medos artificiais para substituir os reais. Contos de vampiros, lendas assombradas, livros de terror ou mesmo dar um susto no amigo. O medo aflora, mas de forma segura. Mesmo medos atávicos, como o da queda, são simulados por paraquedismo ou bungee jumping. Por que procurar o medo?
Uma explicação simples é a biologia: além de adrenalina e cortisol, o corpo produz endorfina, analgésico natural que diminui o estresse, e dopamina, hormônio ligado ao prazer e ao mecanismo de recompensa do cérebro. A sobrevivência é recompensada com relaxamento e boas sensações. Não importa se o susto é só uma mala mal colocada no alto do armário e não um tigre pulando sobre você. Quantas vezes gargalhamos após um grande susto?
Há ainda a explicação cultural, a reposta ao tédio e estresse cotidianos. Não se pode fugir e nem lutar, e isso traz frustração. Um filme de terror afasta essa realidade e, por alguns momentos, fugimos junto com os personagens do maníaco com facão. Quando o filme acaba, em nossa mente, vencemos o monstro junto com a clássica “última sobrevivente”, um clichê nessas produções.
Muitos também anseiam equilíbrio. Desastres acontecem todo dia para pessoas que nada fizeram para merecer um destino tão ruim. Doenças, crimes sem sentido, e tantas realidades duras e aleatórias. Histórias de terror apresentam um causador desses males. Algo para focar o instinto de luta ou algo do qual se pode fugir.
Se surgir uma fascinação por lobisomens, zumbis ou monstros ainda mais estranhos, não se preocupe. São os instintos de sobrevivência se mantendo em dia.
*Fabricio Azevedo é escritor e autor do livro “A mulher de Negro”, romance que explora o terror e a fantasia no cenário urbano de São Paulo.
Artigos
1914: o espelho inquietante dos egos inflados na geopolítica atual
Autor: Sergio P. Rossoni* –
Mais de um século após o silêncio das trincheiras, a Primeira Guerra Mundial se revela uma lente indispensável para decifrar os conflitos contemporâneos. Longe de ser um capítulo distante, ela revela padrões e motivações que ecoam no presente, questionando o que, de fato, não aprendemos. Este ciclo de erros contínuos, infelizmente, empurra o mundo repetidamente à beira de abismos, expondo os impactos silenciosos dessas tragédias na vida de pessoas comuns.
A política da era da Primeira Guerra foi moldada pelo “temor egóico” das potências – um medo da impotência que se transferiu a nações e líderes. Áustria-Hungria, França, Inglaterra e Alemanha, temerosas da Rússia, agiam por meio de receios profundos. O Kaiser Wilhelm II, em busca de reconhecimento e superioridade, adotou a “weltpolitik”. Essa estratégia, aliada à sua personalidade impaciente e ao complexo de inferioridade, desestabilizou a política externa alemã, ameaçando a hegemonia britânica e gerando crises.
As corridas armamentistas, como a frenética construção dos “dreadnoughts” – que, em vez de funcionar como um “blefe” para negociações, selaram o isolamento alemão – e as crises do Marrocos, onde a Alemanha tentava fragmentar a Entente Cordiale, demonstram como a busca por poder obscurece o juízo. Mesmo o assassinato em Sarajevo, estopim do conflito, foi subestimado por líderes acostumados à diplomacia, que não previram a magnitude da catástrofe. A paz, tão almejada, foi trincada pelo medo humano e pelo desejo de ser aceito, reconhecido e, acima de tudo, superior – sentimentos que contaminam tanto líderes quanto suas nações.
O que não parece ter sido aprendido é que a escalada de tensões, impulsionada por ambições nacionais e pelos egos fragilizados de líderes, raramente resulta em paz duradoura. A subestimação da guerra, a confiança excessiva no controle do conflito e a prioridade do orgulho nacional sobre a diplomacia e a empatia são legados que, lamentavelmente, se repetem.
Esses erros desencadearam a Segunda Guerra Mundial, as guerras no Pacífico, na Coreia, no Vietnã, nas Malvinas, a invasão do Oriente sob a justificativa da “caça ao terror” e, recentemente, a guerra na Ucrânia. Essas falhas persistem e parecem fazer parte da estrutura do caráter humano, resultando em um ciclo vicioso de dor e destruição.
A Grande Guerra é um sombrio lembrete de que medo, inseguranças e o voraz desejo de poder continuam a impulsionar nações ao abismo. Apesar das tragédias evitáveis e da subestimação de líderes, as lições permanecem ignoradas. É frustrante constatar a incapacidade humana de romper com a dinâmica do “ego desestruturado” na política global. Sem uma crítica profunda e ações decisivas por parte da diplomacia e reflexão, o passado não apenas se repetirá, mas se agravará, condenando-nos a um ciclo de destruição.
*Sergio P. Rossoni é escritor de romances histórico-policial e autor do livro “O Olho de Gibraltar”, que ficcionaliza os meses antecedentes à Primeira Guerra Mundial
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