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Luiz Flávio Gomes: Por que convivemos com a corrupção?

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             Por que convivemos com a corrupção?

Luiz Flávio Gomes

Com total descaramento, o deputado Benjamin Maranhão (SD-PB), após ignorar a ética que deveria fazer parte das suas responsabilidades políticas, resolveu que a sociedade brasileira pagadora de impostos deveria arcar com seu lauto almoço, que custou a todos nós a quantia de R$ 1.495,00. Dizem que teria havido ressarcimento depois que tudo se tornou público. O paradoxal é que a falta de vergonha do deputado acontece precisamente no momento em que a sociedade brasileira começa a reagir com mais rigor (com mais consciência crítica) contra a bandalheira da corrupção (particularmente a cleptocrata, que é a bandidagem de quem governa o país).

luizFlavioNo Brasil a criminalidade e a corrupção são as maiores preocupações da população, consoante pesquisa feita em 2014 pelo Instituto americano Pew Research Center: 83% dos entrevistados disseram que o crime era uma grande preocupação atualmente; o mesmo foi dito sobre a corrupção: 78% apontaram-na como um grande problema nacional. Se a corrupção é um grande problema, por que convivemos com ela diuturnamente? A razão central é a seguinte: porque somos muito mais permissivos que alguns outros países em relação ao ganho ilícito, ao enriquecimento sem causa, à acumulação indevida de riqueza. Nossa relação com a lei é muito problemática. O império da lei (aqui) constitui um longínquo desideratum.

O Brasil é um país capitalista moderno, mas extremamente desigual. Conta com europeizados ao lado de milhões de etiopizados. Somente nos igualamos perversamente diante do não cumprimento das leis: (1) ninguém se sente constrangido a cumprir a norma legal; (2) todos se sentem desiguais (social e legalmente). “Isso vale tanto para as elites, que se julgam isentos de se submeterem às normas, mas que, no entanto, criam-nas para subverterem-nas, como para as classes populares, que não conseguem fazer valer seus direitos e não cumprem as normas (a pobreza os desobriga), a não ser que esse descumprimento venha a ameaçar a “ordem” (violência). No meio-termo fica uma classe média que se conforma com burlas variadas, como fraudar a declaração de imposto de renda, não obedecer ou desobedecer às leis de trânsito, participar de pequenos atos ilícitos, corrompendo agentes estatais da baixa burocracia etc.” (veja Céli Regina Jardim Pinto, A banalidade da corrupção: 32-33).

O problema, no entanto, não é somente brasileiro. De acordo com a pesquisa citada, o crime e a corrupção são flagelos comuns das sociedades modernas e estão no topo da lista de problemas citados pelo público nos países emergentes e nos países em desenvolvimento: 83% dos 38.620 entrevistados em 34 países disseram que o crime é um problema muito grande em seu país e 76% disseram o mesmo sobre os líderes políticos corruptos.

Tomando a média entre os 20 países pesquisados ??em 2007/2008 e 2014, houve um salto de 64% para 74% com a preocupação com o crime e de 63% a 73% com a corrupção. O rompimento com a lei é um maior problema na América Latina (uma média de 86% dizem que é um problema muito grande), na África (84%), na Ásia (72%) e no Oriente Médio (67%). Em média, 76% dos entrevistados nos 34 países dizem que os líderes políticos corruptos são um problema muito grande em seu país. Se existe algo no Brasil que iguala os europeizados aos etiopizados é a ausência do império da lei. Isso explica em grande parte nosso fracasso como nação civilizada. O Brasil é um país rico, mas muito pouco “domesticado” (para usar a linguagem de Nietzsche).

*Colaborou Flávia Mestriner Botelho, socióloga e pesquisadora do Instituto Avante Brasil.

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Luiz Flávio Gomes – Doutor em Direito pela Universidade Complutense de Madri. Mestre em Direito Penal pela USP. Jurista e cientista criminal. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça, Juiz de Direito e Advogado.

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Do medo reprimido à fuga química, o homem que aprendeu a não temer vive refém da própria coragem

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Autor: Nailton Reis*

Neste artigo propõe um caminho para compreender o que a psicologia chama de “fuga da realidade”. Essa expressão, muitas vezes usada de forma genérica, descreve o movimento em que o sujeito, incapaz de lidar com o próprio mundo interno, seus sentimentos, medos e frustrações, passa a recorrer a comportamentos ou substâncias que o afastam de si mesmo.

Aqui, vamos construir um percurso lógico para entender como essa fuga pode acontecer na vivência masculina, especialmente em contextos de masculinidade tóxica e repressão sexual. Este artigo busca elucidar tais questões para complementar a série de textos disponíveis em @iMentesPlurais, trazendo de maneira clara, acessível e didática as discussões que envolvem a dependência química e seus desdobramentos emocionais.

É importante deixar claro que a dependência química não nasce apenas desse modo, e nem toda pessoa dependente passa pelo mesmo caminho. Mas essa é uma das possibilidades de compreensão: quando o uso de substâncias se torna uma forma de sustentar o papel de “homem de verdade”, aquele que não sente, não chora, não fraqueja.

Esse será, portanto, um olhar sobre o meio masculino como espaço de adoecimento e performance. Vamos examinar como a repressão dos sentimentos primários, a inibição emocional e a busca por aceitação social formam o terreno do uso abusivo, quando o sujeito passa a usar a substância para performar um personagem e não para se expressar.

Desde cedo, o homem é ensinado a não sentir. A ideia de “ser homem” vem carregada de mandamentos invisíveis: não chorar, não demonstrar medo, não hesitar, não fraquejar. E há um mandamento que é o mais perigoso de todos: “homem não pode ter medo”. Esse comando parece pequeno, mas ele vai moldando toda a forma de se relacionar com o afeto e com o risco.

  1. – Se eu não posso ter medo, então eu não posso dizer que estou com medo.
  2. – Se eu não posso dizer, eu não posso pedir ajuda.
  3. – Se eu não posso pedir ajuda, eu vou ter que parecer corajoso o tempo todo, mesmo quando estou apavorado.

Na adolescência, esse falso “não tenho medo” se mistura com o grupo e vira espetáculo. O menino que aprendeu a não demonstrar medo em casa, para não ser chamado de frouxo, agora entra num grupo que pede que ele prove o tempo todo que realmente não tem medo. É aí que aparece aquela cena que muita gente pergunta:

Mas por que ele não tem medo da polícia? Por que ele encara a morte, o racha, a briga de rua, como se fosse nada?

Muitas vezes não é que ele não tenha medo, é que ele foi treinado a inibir o medo. O sentimento existe, mas está soterrado. O que aparece é a performance de coragem. E a substância, o álcool principalmente, ajuda a sustentar essa atuação.

Essa é a educação emocional negativa que molda o menino. Ele aprende não o que fazer, mas o que evitar. A mensagem é clara: emoção é fraqueza, medo é coisa de quem não é homem. O resultado é um sujeito que cresce sem vocabulário emocional, sem autorização para expressar o que sente e, por isso, sem saber o que fazer com a própria dor.

Essa repressão dos sentimentos primários, medo, tristeza, afeto, necessidade de cuidado, cria uma espécie de silêncio interno. O menino que engole o choro cresce inibido, retraído, tímido. Não porque nasceu assim, mas porque aprendeu a conter. E essa contenção emocional, ao longo do tempo, não some, ela se acumula. Quando chega a adolescência, ele se depara com o grupo de pares, onde o valor não é a sensibilidade, e sim a ousadia.

No grupo, o que define o “homem” é o quanto ele aguenta, o quanto ele conquista, o quanto ele se impõe. Quem é tímido, quem hesita, quem se mostra vulnerável é ridicularizado. Surge então a fórmula do pertencimento: “se eu não posso ser, eu preciso parecer“. E para parecer, ele recorre àquilo que o ajuda a vestir a roupa da coragem: a substância.

O álcool, especialmente, aparece como o primeiro facilitador. Ele desinibe, solta a voz, reduz a vergonha, mascara a insegurança. Na prática, ele empresta coragem. É ali que a dependência simbólica começa, antes mesmo da química. O sujeito percebe que, sob o efeito da substância, ele é mais engraçado, mais confiante, mais sedutor. Ele descobre uma nova forma de existir, e essa forma vem com o rótulo de “homem de verdade”.

Mas há um preço alto nisso. Quando o homem passa a depender da substância para performar, ele cria uma segunda identidade, uma versão socialmente aceita, mas emocionalmente vazia. Ele bebe para ser. E quanto mais bebe, menos ele é. O “homem de verdade” que ele mostra para o mundo vai, pouco a pouco, substituindo o sujeito que sente, que erra, que precisa de ajuda.

A comunidade masculina, a dos amigos, das festas, das comparações, reforça esse papel. Cada dose é uma prova de masculinidade, cada transa, uma medalha. O problema é que, sem perceber, ele passa a usar não pela substância em si, mas pela validação que ela proporciona. A droga vira um espelho distorcido onde ele se reconhece. E é nesse espelho que o homem perde o próprio reflexo.

Com o tempo, o corpo se adapta e cobra. O prazer químico se impõe sobre o prazer humano, e a dopamina, aquele neurotransmissor que antes sinalizava conquista, afeto, motivação, passa a responder apenas à substância. O corpo reage, mas o sentimento não acompanha. Ele tenta manter o desempenho, o mesmo humor, o mesmo vigor, mas o que antes era natural agora depende de algo externo. É assim que a performance vira prisão. O sujeito não bebe mais para curtir, mas para não desmoronar. Não usa mais para se divertir, mas para continuar sendo o homem que inventaram para ele.

A psicologia compreende essa dinâmica como um tipo de fuga da realidade afetiva. Ao invés de entrar em contato com o que dói, solidão, medo, rejeição, impotência, o homem anestesia. Ele substitui o sentir pelo fazer, o vínculo pelo desempenho, o afeto pelo uso. E assim, o que parecia força revela-se fragilidade disfarçada.

O homem que precisa se drogar para ser homem está sendo homem para os outros, e não para si.

Reconhecer isso é o primeiro passo. O tratamento psicológico não retira a masculinidade, ele a reconstrói. Ensina o sujeito a se reconhecer sem precisar se esconder, a sentir sem medo de parecer fraco, a falar sem precisar se embriagar. O que antes era fuga, vira reencontro. E é nesse ponto que o homem, pela primeira vez, pôde existir sem performance, sem disfarce, com verdade.

*Nailton Reis é Neuropsicólogo Clínico com especialização em Neuropsicologia Cognitiva Comportamental, Avaliação Psicológica e Psicologia do Trânsito em Cuiabá-MT – CRP 18/7767

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