Artigo
Juventude missionária, Ecologia Integral e o Magistério do Papa Francisco
Autor: Juacy da Silva* –
“O meio ambiente é um bem coletivo, patrimônio de toda a humanidade e responsabilidade de todos. Quem possui uma parte é apenas para administrá-la em benefício de todos“. (Papa Francisco, LS 95)
Sempre existe a ideia de que a salvação do planeta, da humanidade e dos países está colocada sobre os ombros da juventude, existe uma crença generalizada de que cabe `a juventude resolver os problemas que as gerações adultas atuais e anteriores criaram.
Esta crença está presente em todos os setores da sociedade, inclusive nas religiões, particularmente entre as religiões cristãs e, como soe acontecer, na Igreja Católica esta é uma verdade e um desejo manifesto por parte de todos nós, leigos e também da hierarquia eclesiástica.
O papel da juventude, como força e energia sociotransformadora é o que impulsiona a Juventude missionária, em que adolescentes e jovens, de ambos os sexos, são estimulados e convidados para “irem por todo o mundo e pregar o evangelho”, principalmente um evangelho que proporciona a juventude missionária a estar ao lado dos desafios socioambientais, junto aos pobres e excluídos, tendo em vista que a Igreja faz a “opção preferencial pelos pobres”.
O Papa Francisco tem na juventude e na ecologia integral duas de suas colunas mestras que tem caracterizado seu magistério, razões pelas quais, anualmente está presente na Jornada Mundial da Juventude e, em relação a ECOLOGIA INTEGRAL, demonstrou esta preocupação ao publicar no dia 24 de Maio de 2015, mesmo ano em que a ONU estabeleceu os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e na COP 21 foi aprovado o Acordo de Paris, ambas que tem como ponto de referência no horizonte temporal a AGENDA 2030, ou seja, ano em que a ONU e todos os países deverão fazer um balanço sobre como estamos tratando as nossas relações sócio, econômicas, políticas e culturais com a natureza, principalmente tendo em vista a degradação dos ecossistemas e biomas e, também, a gravidade dos impactos da CRISE CLIMÁTICA.
Assim, cabe `a juventude missionária, engajar-se também, “de corpo e alma“, nesta cruzada para um melhor cuidado com a NOSSA CASA COMUM, que está sendo mal cuidada, em decorrência da ganância humana e de um imediatismo gritante, principalmente pelos diversos sistemas econômicos, com destaque para o capitalismo de rapina, sempre ávidos por um lucro fácil e imediato, pouco se importando com os direitos das futuras gerações e, na atualidade, com os direitos dos pobres e excluídos e com a herança ecológica deixada neste processo insano e irracional.
Neste sentido, ser jovem missionário, é preocupar-se com a situação em que vivem nossos irmãos que apenas vegetam `a margem da sociedade, como na parábola do Bom Samaritano. Hoje, conforme o Papa Francisco nos exorta, os impactos da crise climática e da degradação dos biomas, da destruição da biodiversidade e dos ecossistemas, as tragédias ambientais e a crise climática impactam de uma forma muito mais cruel os pobres e os excluídos, como vemos em todas as partes do planeta, inclusive em nosso país, como na tragédia do Rio Grande do Sul, em diversos outros estados e também nas queimadas, fumaça, baixa umidade do ar e temperaturas muito elevadas no Brasil inteiro, principalmente no Centro Oeste, degradando muito a qualidade de vida, a saúde humana e todos os demais aspectos das relações com a natureza.
Pois bem, ao elaborar e publicar a Encíclica Laudato Si, o Papa Francisco levou em consideração preocupações e exortações de outros Papas que o antecederam e a experiência da Igreja nesta área socioambiental.
Aqui mesmo no Brasil, a CNBB, ao longo de décadas, tem escolhido temas socioambientais para a Campanha da Fraternidade, como as questões indígena, da água, dos biomas brasileiros, da terra, do saneamento básico, vida no planeta, sobre a Amazônia, fraternidade e economia e, em 2025, o tema da CF (Campanha da Fraternidade) será FRATERNIDADE E ECOLOGIA INTEGRAL.
Estou relatando esses aspectos da caminhada da Igreja para que possamos entender melhor onde as preocupações e exortações do Papa Francsico sobre a Ecologia Integral, as quais passam a ser um roteiro para nossas ações, inclusive da juventude missionária, da PEI – Pastoral da Ecologia Integral e do Movimento Laudato Si, da Articulação Brasileira da Economia de Francisco e Clara, instrumentos da Igreja para a evangelização, podem ser “encaixadas” em nossas ações evangelizadoras, de forma integrada, transversal e permanentes.
Afinal, defender o planeta, nossa casa comum, significa defender a vida, tanto a vida humana quanto a vida das demais espécies que também é fundamental para o equilíbrio ecológico e condição fundamental para a vida humana. Se a ganância humana destruir as formas de vida não humana, para atingir seus propósitos materialistas e imediatistas, com certeza estará destruindo também a vida humana neste planeta.
Para elaborar e publicar a Encíclica Laudato Si, o Papa Francisco levou em consideração tanto as contribuições anteriores da Igreja Católica, quanto de outras Igrejas Cristãs e não cristãs e também o assessoramento de inúmeros cientistas e teólogos.
Cabe ressaltar também que na elaboração desta Encíclica o Papa Francisco utilizou o método da Igreja: VER, JULGAR E AGIR.
O capítulo I – O que está acontecendo com a nossa casa; representa o VER; os capítulos II O evangelho da Criação e o capitulo III A Raiz humana da crise ecológica, são dedicados ao JULGAR; e os capítulos IV – Uma ecologia integral; V – Algumas linhas de orientação e ação e o capítulo VI – Educação e espiritualidade ecológicas tratam do AGIR.
Vale a pena ressaltar que na Laudato Si, o Papa Francisco, tem uma visão global, ou seja, o seu universo de referência é o Planeta Terra, a quem chama de “NOSSA CASA COMUM“, isto tanto ao fazer o diagnóstico (VER) quanto criar um quadro de referência para interpretar a realidade observada (JULGAR) e também ao propor as ações que evitar que a degradação e destruição do planeta terra chega a um ponto crítico, o chamado “ponto do não retorno”, ou seja, onde a grande maioria das ações terão apenas um caráter mitigatório ou serão ineficazes. (O AGIR).
Cabe a nós, principalmente cristãos – católicos e evangélicos – adaptarmos esta metodologia para a realidade concreta onde estamos vivendo e convivendo, com seus desafios e oportunidades para agirmos.
Mas longe de expor uma visão pessimista ou catastrófica, na Laudato Si ele diz que sempre existe uma esperança, já que o Criador (Deus) não nos abandona nunca, cabendo a nós, serres humanos ouvirmos “tanto o grito da terra quanto o grito dos pobres”, que, em minha opinião é a VÓZ DE DEUS chamando-nos `a nossa responsabilidade em relação a um ,melhor cuidado com a CASA COMUM.
No capítulo I da Laudato Si o Papa Francisco toca em questões sensíveis como a poluição e as mudanças climática, que hoje já esta sendo considerada por todos, principalmente pela comunidade científica, como uma “crise climática”, cujos impactos estão cada vez sendo mais catastróficos.
Ao longo da Laudato Sil podemos perceber uma visão crítica, como quando menciona que “a terra, nossa casa comum, parece transformar-se, cada vez, mais em um imenso depósito de lixo“ (LS- Laudato Si, 21).
Em relação `a crise climática ele diz textualmente que “o clima e um bem comum, um bem de todos e para todos…e que a humanidade é chamada a tomar uma consciência da necessidade de mudança de estilos de vida, de produção e de consumo, para combater esse aquecimento ou, pelo menos, as causas humanas que o produzem e acentuam“ (LS 23).
Ainda sobre a questão da crise climática, ao elaborar e publicar a Exortação Apostólica Laudate Deum, endereçada aos integrantes e participantes da COP28 (ano passado – 2023) o Papa Francisco também nos provoca, como cristãos – católicos e evangélicos, ao dizer que “com o passar do tempo (oito anos após a publicação da Laudato Si e podemos dizer que o mesmo continua acontecendo prestes a “comemorarmos” os dez anos da publicação da Laudato Si), entretendo, dou-me conta de que não estamos dando conta de que não estamos reagindo (e agindo) de modo satisfatório, pois este mundo que nos acolhe está desmoronando e talvez se aproximando de um ponto de ruptura“.
Esta exortação, apesar de ter sido, formalmente endereça aos participantes da COP 28, pessoas, lideranças, jovens, empresários, cientistas e governantes do mundo todo, repito, esta exortação é dirigida particularmente aos cristãos católicos e integrantes de outras igrejas cristãs, pois, a “grosso modo” continuamos cometendo o PECADO DA OMISSÃO, diante da destruição e degradação da Casa Comum, da qual participamos e parece que não estamos ouvindo nem o grito da terra e muito menos os gritos lancinantes dos pobres, excluídos e oprimidos, os mais afetados pela crise climática e suas consequências.
Outra realidade que a Laudato Si nos exorta é que “a água potável e limpa ( e por extensão o saneamento básico) constitui uma questão de primordial importância, porque é indispensável `a vida humana e para sustentar os sistemas terrestres e aquíferos“ (LS 27). Neste aspecto, insere-se o acesso `a agua de qualidade e o saneamento básico como um direito humano e não apenas uma mercadoria para ser regulada pelo “Deus mercado”, tendo como única finalidade o lucro a ser auferido pelas empresas que atuam nessas áreas.
A Laudato Si também discute a perda da biodiversidade, a degradação dos oceanos, o problema das periferias das cidades (onde a grande maioria da população é constituída de pobres, excluídos e oprimidos), fala também do fosso existente entre países centrais, desenvolvidos, hegemônicos e a grande maioria dos países pobres, os quais pouco contribuem para a poluição e degradação da Casa Comum, mas que sofrem as consequências de bilhões e bilhões de toneladas gases de efeito estufa produzidos anualmente pelos primeiros.
Os dez países que mais poluem o planeta, que mais emitem gases de efeito estufa são responsáveis por 76% de todos esses gases, enquanto mais de 100 países pobres produzem menos de 5% desses gases.
Na Laudate Deum, o Papa Francisco volta a discutir (capítulo II) o crescente paradigma tecnocrático, como uma falácia, ou uma falsa opção para o enfrentamento da falta de cuidado com a Casa Comum e questiona que é preciso “repensar a utilização do Poder” (LD – Laudate Deum, 24 e seguintes), fala também sobre o “aguilhão ético“, quando nos exorta que “A decadência ética do poder real é disfarçada pelo marketing e pela informação falsa (as formosas “Fake News“, tão em voga no discurso dos negacionistas ecológicos), mecanismos úteis nas mãos de quem detém maiores recursos, para influenciar a opinião pública através deles. Esta é a origem do consumismo e do desperdício, dois males que afetam a Casa Comum.
O Capítulo III da Laudate Deum, questiona “A fragilidade da política Internacional”, cabendo destacar que “enquanto a história dá sinais de regressão, cada geração deve tornar suas as lutas das gerações anteriores e levá-las a metas ainda mais altas. É o caminho. O bem, como aliás o amor, a justiça e a solidariedade não se alcançam de uma vez por todas, hão de ser conquistadas cada dia. Repetindo trecho de sua outra Encíclica, a Fratelli Tutti (FT 174). Aqui, creio eu, estão inseridos todos os jovens, particularmente a juventude missionária.
Os Capítulos II e III são dedicados ao JULGAR, ou seja, para estabelecer um quadro de referência teológico para a interpretação a realidade identificada no VER.
O Capítulo II – EVANGELHO DA CRIAÇÃO, oferece as bases epistemológicas, teológicas, espirituais e bíblicas para a interpretação da realidade, neste sentido são estabelecidos os seguintes princípios: 1) A luz que a fé nos oferece; 2) A sabedoria das narrações bíblicas; 3) O mistério do universo; 4) A mensagem de cada criatura na harmonia de toda a criação; 5) Cônico de São Francisco de Assis (LS 87); 6) Uma comunhão universal, enfatizando que, nesta Casa Comum, tudo está interligado; 7) O destino comum dos bens (criados) “Deus criou o mundo para todos, por conseguinte, toda abordagem ecológica deve integrar uma perspectiva social que tenha em conta os direitos fundamentais dos mais desfavorecidos (os pobres, oprimidos e excluídos) LS 93; 8) O olhar de Jesus que “vivia em plena harmonia com a criação, despertando a admiração nos outros” (LS 98) e que, “segundo a compreensão cristã da realidade, o destino da criação inteira passa pelo mistério de Cristo, que nela está presente desde a origem” (LS 99).
Ainda na parte do JULGAR, Capítulo III, a Laudato Si, discorre articuladamente sobre A RAIS HUMANA DA CRISE ECOLÓGICA, enfatizando os seguintes aspectos: A tecnologia, a criatividade e o poder; a globalização do paradigma tecnocrático, destacando que este paradigma tende a exercer seu domínio também sobre a economia e a política e que, de acordo com tal paradigma, os problemas da fome e da miséria no mundo serão resolvidos simplesmente com o crescimento do mercado (e de novas tecnologias, inclusive com o surgimento da Inteligência artificial) (LS 109) este paradigma é uma falácia, quando na realidade o fracasso da livre iniciativa e do mercado em endereçar tais desafios fica patente tanto nos países pobres quanto nas econômicas opulentas.
Em 2023, segundo dados da ONU a fome atingiu 733 milhões de pessoas e que cerca de 2,33 bilhões de indivíduos no mundo enfrentaram insegurança alimentar moderada ou grave, um número que não mudou significativamente desde o aumento brusco em 2020, enquanto as parafernálias tecnológicas proliferam rapidamente.
Destaca ainda este capítulo sobre a crise do antropocentrismo moderno e suas consequências, incluindo o relativismo, a necessidade de defender o trabalho e os trabalhadores e também a inovação biológica a partir da pesquisa. “Em suma, os custos humanos são sempre também custos econômicos e as disfunções econômicas acarretam sempre custos humanos“ (LS 129)..
Após ser feito o diagnóstico (VER) e ter as bases teológicas, epistemológicas, espirituais e bíblicas (que é o JULGAR) – interpretar, precisamos também estabelecer as bases para as nossas ações, sem o que, tais ações perdem a coerência e perdem a continuidade.
O Capítulo IV – UMA ECOLOGIA INTEGRAL, oferece não apenas o conceito central da Laudato Si, mas outros conceitos como pecado ecológico, conversão ecológica, cidadania ecológica, justiça climática e justiça inter-geracional. Assim, fica claro que a Laudato Si e também a Laudate Deum passam a incorporar-se `a DSI – Doutrina Social da Igreja, sendo esta a grande contribuição do Papa Francisco nesta área tão importante para o magistério da Igreja e a evangelização, em uma perspectiva libertadora.
Só assim, podemos entender a exortação que nos faz o Papa Francisco ao dizer e ao escrever na Laudato Si que “não há duas crises separadas, uma ambiental e outra social. Mas uma única e complexa crise socioambiental. As diretrizes para a solução requerem uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza“ (LS 139).
Um outro aspecto que Francisco enfatiza tanto na Laudato Si quanto em outros de seus escritos e pronunciamentos, como quando enfatiza a tríade: TERRA, TETO E TRABALHIO, como condições para resgatar a dignidade dos excluídos e, vai mais longe quando afirma que “sobre toda propriedade particular pesa uma hipoteca social, para que os bens (criados por Deus ou pelo esforço humano) sirvam ao destino geral que Deus lhes deu” ou seja, ao BEM COMUM (LS 93).
Para bem balizar o AGIR a Laudato Si procura aprofundar o conceito de ecologia integral, destacando os diversos tipos (singulares) de ecologia, como a Ecologia ambiental, econômica e social; a ecologia cultural, a ecologia da vida cotidiana, o princípio do bem comum e a justiça intergeracional, esta última já mencionada anteriormente.
No Capítulo V – ainda no contexto do AGIR, a Laudato Si destaca alguns aspectos que possam representar algumas linhas de orientação e ação. Entre essas, as questões do diálogo sobre o meio ambiente na política internacional, a importância dos acordos e tratados internacionais nesta área; o diálogo como base para novas políticas nacionais, estaduais e locais (Municipais) em todos os países. Destacando também a importância da participação de todos os agentes, base para o conceito de cidadania ecológica.
Em relação aos tratados e Acordos Internacionais, quanto os países homologam tais acordos, isto significa que os termos e condições estabelecidas nos mesmos passam a incorporar o ordenamento jurídico nacional.
Este foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto ao ACORDO DE PARIS, do qual o Brasil é signatário. Dada a importância do referido Acordo, em primeiro de julho de 2022, o STF conferiu a ele o status de emenda à Constituição, o que permite sua equiparação a um tratado de direitos humanos, ampliando, em certo sentido o que consta de nossa Constituição Federal (1988), no artigo 225 “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações“
Ao refletir sobre o diálogo e `a transparência nos processos decisórios, torna a tocar neste ponto ao enfatizar que “A previsão do impacto ambiental dos empreendimentos e projetos requer processos políticos transparentes e sujeitos ao diálogo, enquanto a corrupção, que esconde o verdadeiro impacto ambiental de um projeto, em troca de favores, frequentemente leva a acordos ambíguos que fogem ao dever de informar e a um debate profundo“ (LS 182).
No último capítulo da Laudato Si, ainda em relação ao AGIR, o destaque é sobre a EDUCAÇÃO E ESPIRITUALIDADE ECOLÓGICA e reflete também sobre a CONVERSÃO ECOLÓGICA, necessária ante o PECADO ECOLÓGICO, como aspecto fundamental, para que possamos substituir os paradigmas atuais dos modelos de economia e de mercado, caracterizados ao longo de seu magistério como a ECONONIA DA MORTE, por novos paradigmas que representem transformação no estilo de vida, de consumo (e consumismo), de desperdício e geração cada vez mais de lixo/resíduos sólidos, por uma nova economia que é a ECONOMIA DA VIDA, representada pela ECONOMIA DE FRANCISCO E CLARA, com ênfase na economia circular, na economia solidária, na economia de baixo carbono, na produção agroecológica. Isto fica claro quando o Papa Francisco convoca a juventude e diz que “é preciso realmar a economia” e também “encantar a política“, como mecanismos para as transformações no atual estilo de vida que está destruindo a Casa Comum.
“A situação atual do mundo gera um sentido de precariedade e insegurança, que, por sua vez, favorece formas de egoísmo coletivo” e , mais “Uma mudança nos estilos de vida poderia chegar a exercer uma pressão salutar sobre quantos detém o poder político e social”. (LS 204 e 205)
Essas ideias e exortações fundamentam o que é denominado de MOBILIZAÇÃO PROFÉTICA, através da qual o povo pode e deve exercer pressão e denunciar crimes ambientais O movimento internacional LAUDATO SI enfatiza três aspectos relacionados com a Laudato Si e a luta pela ecologia integral e um melhor cuidado com a Casa Comum. Esses aspectos são: Oração – espiritualidade ecológica; ações sociotransformadoras e mobilização profética.
Quanto ao papel da educação neste processo de mudança, transformação mais profunda dos atuais hábitos e estilos de vida que dominam os sistemas econômicos e as relações de trabalho e de Produção, o Papa Francisco propõe um Pacto Global pela Educação, com ênfase também ao que imagina deveria ser o papel da educação ambiental (ou educação ecológica libertadora).
“A educação ambiental deveria predispor-nos a dar este salto para o mistério, do qual uma ética ecológica recebe o seu sentido mais profundo…há educadores capazes de reordenar os itinerários pedagógicos de uma ética ecológica, de modo que ajudem efetivamente a crescer na solidariedade, na responsabilidade e no cuidado apoiado na compaixão“. (LS 210), esta, a meu ver, é a base para os conceitos de cidadania ecológico e de educação ecológica libertadora.
Finalmente, a Laudato Si enfatiza que “vários são os âmbitos educativos: a escola, a familia, os meios de comunicação, a CATEQUESE e outros mais (LS 213).
A partir da Leitura e reflexão dos princípios da Doutrina Social da Igreja, das Encíclicas Laudato Si e Fratelli Tutti, bem como das Exortações Apostólicas Querida Amazônia e Laudate Deum e demais pronunciamentos do Papa Francisco ao longo de mais de uma década de Magistério, creio que a Igreja como um todo, incluindo suas pastorais, movimentos e organismos e, claro, também a Juventude missionária, podem e devem realizar um grande trabalho que promova ações sociotransformadoras e podemos voltar a ter esperança quanto ao nosso “futuro comum”.
Em um próximo artigo tentarei refletir sobre como a Juventude Missionária e também as Pastorais da Juventude, da Ecologia Integral (PEI) e demais pastorais, movimentos e organismos da Igreja podem e devem AGIR para que a Ecologia Integral seja algo transversal e integrador em todas essas dimensões.
Afinal, como diz o Papa Francisco, não existem duas crises separadamente, uma ambiental e outra social, econômica, politica e cultural; mas sim, uma ÚNICA e COMPLEXA CRISE SOCIOAMBIENTAL… e que para tanto as ações (no caso específico da Igreja) DEVEM tanto OUVIR os CLAMORES DA TERRA quanto o CLAMOR DOS POBRES e EXCLUIDOS, em coerência com a opção preferencial pelos pobres tão enfatizada pela Igreja, opções essas pelo Planeta e pelos pobres.
Imagino que a preocupação com os desafios da ECOLOGIA INTEGRAL e as ações para enfrenta-los devam estar presentes em todas as atividades da Igreja, desde a Catequese até nas atividades mais rotineiras como nas missas, nas escolas católicas e cristãs e as ações das pastorais, movimentos e organismos, em caráter permanente, só assim, iremos estimular tanto a CONVERSÃO ECOLÓGICA INDIVIDUAL quanto COMUNITÁRIA, como nos exorta o Papa Francisco.
Assim, estaremos sempre coerentes com o Tema do Tempo da Criação deste 2024 “Esperançar e agir com a Criação”, convoca os(as) participantes a refletirem sobre a mensagem bíblica “Os Primeiros Frutos da Esperança” (Romanos 8:19-25), enfatizando nosso papel ativo de orar e cuidar de nosso planeta, enquanto lutamos por um futuro melhor em meio aos atuais desafios ecológicos.
Orar e agir, este deve ser o novo mandamento em relação a um melhor cuidado com a CASA COMUM, se assim não fizermos, estaremos cometendo o PECADO DA OMISSÃO.
*Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral.
E-mail [email protected]
Instagram @profjuacy
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Artigos
Do medo reprimido à fuga química, o homem que aprendeu a não temer vive refém da própria coragem
Autor: Nailton Reis* –
Neste artigo propõe um caminho para compreender o que a psicologia chama de “fuga da realidade”. Essa expressão, muitas vezes usada de forma genérica, descreve o movimento em que o sujeito, incapaz de lidar com o próprio mundo interno, seus sentimentos, medos e frustrações, passa a recorrer a comportamentos ou substâncias que o afastam de si mesmo.
Aqui, vamos construir um percurso lógico para entender como essa fuga pode acontecer na vivência masculina, especialmente em contextos de masculinidade tóxica e repressão sexual. Este artigo busca elucidar tais questões para complementar a série de textos disponíveis em @iMentesPlurais, trazendo de maneira clara, acessível e didática as discussões que envolvem a dependência química e seus desdobramentos emocionais.
É importante deixar claro que a dependência química não nasce apenas desse modo, e nem toda pessoa dependente passa pelo mesmo caminho. Mas essa é uma das possibilidades de compreensão: quando o uso de substâncias se torna uma forma de sustentar o papel de “homem de verdade”, aquele que não sente, não chora, não fraqueja.
Esse será, portanto, um olhar sobre o meio masculino como espaço de adoecimento e performance. Vamos examinar como a repressão dos sentimentos primários, a inibição emocional e a busca por aceitação social formam o terreno do uso abusivo, quando o sujeito passa a usar a substância para performar um personagem e não para se expressar.
Desde cedo, o homem é ensinado a não sentir. A ideia de “ser homem” vem carregada de mandamentos invisíveis: não chorar, não demonstrar medo, não hesitar, não fraquejar. E há um mandamento que é o mais perigoso de todos: “homem não pode ter medo”. Esse comando parece pequeno, mas ele vai moldando toda a forma de se relacionar com o afeto e com o risco.
- – Se eu não posso ter medo, então eu não posso dizer que estou com medo.
- – Se eu não posso dizer, eu não posso pedir ajuda.
- – Se eu não posso pedir ajuda, eu vou ter que parecer corajoso o tempo todo, mesmo quando estou apavorado.
Na adolescência, esse falso “não tenho medo” se mistura com o grupo e vira espetáculo. O menino que aprendeu a não demonstrar medo em casa, para não ser chamado de frouxo, agora entra num grupo que pede que ele prove o tempo todo que realmente não tem medo. É aí que aparece aquela cena que muita gente pergunta:
“Mas por que ele não tem medo da polícia? Por que ele encara a morte, o racha, a briga de rua, como se fosse nada?“
Muitas vezes não é que ele não tenha medo, é que ele foi treinado a inibir o medo. O sentimento existe, mas está soterrado. O que aparece é a performance de coragem. E a substância, o álcool principalmente, ajuda a sustentar essa atuação.
Essa é a educação emocional negativa que molda o menino. Ele aprende não o que fazer, mas o que evitar. A mensagem é clara: emoção é fraqueza, medo é coisa de quem não é homem. O resultado é um sujeito que cresce sem vocabulário emocional, sem autorização para expressar o que sente e, por isso, sem saber o que fazer com a própria dor.
Essa repressão dos sentimentos primários, medo, tristeza, afeto, necessidade de cuidado, cria uma espécie de silêncio interno. O menino que engole o choro cresce inibido, retraído, tímido. Não porque nasceu assim, mas porque aprendeu a conter. E essa contenção emocional, ao longo do tempo, não some, ela se acumula. Quando chega a adolescência, ele se depara com o grupo de pares, onde o valor não é a sensibilidade, e sim a ousadia.
No grupo, o que define o “homem” é o quanto ele aguenta, o quanto ele conquista, o quanto ele se impõe. Quem é tímido, quem hesita, quem se mostra vulnerável é ridicularizado. Surge então a fórmula do pertencimento: “se eu não posso ser, eu preciso parecer“. E para parecer, ele recorre àquilo que o ajuda a vestir a roupa da coragem: a substância.
O álcool, especialmente, aparece como o primeiro facilitador. Ele desinibe, solta a voz, reduz a vergonha, mascara a insegurança. Na prática, ele empresta coragem. É ali que a dependência simbólica começa, antes mesmo da química. O sujeito percebe que, sob o efeito da substância, ele é mais engraçado, mais confiante, mais sedutor. Ele descobre uma nova forma de existir, e essa forma vem com o rótulo de “homem de verdade”.
Mas há um preço alto nisso. Quando o homem passa a depender da substância para performar, ele cria uma segunda identidade, uma versão socialmente aceita, mas emocionalmente vazia. Ele bebe para ser. E quanto mais bebe, menos ele é. O “homem de verdade” que ele mostra para o mundo vai, pouco a pouco, substituindo o sujeito que sente, que erra, que precisa de ajuda.
A comunidade masculina, a dos amigos, das festas, das comparações, reforça esse papel. Cada dose é uma prova de masculinidade, cada transa, uma medalha. O problema é que, sem perceber, ele passa a usar não pela substância em si, mas pela validação que ela proporciona. A droga vira um espelho distorcido onde ele se reconhece. E é nesse espelho que o homem perde o próprio reflexo.
Com o tempo, o corpo se adapta e cobra. O prazer químico se impõe sobre o prazer humano, e a dopamina, aquele neurotransmissor que antes sinalizava conquista, afeto, motivação, passa a responder apenas à substância. O corpo reage, mas o sentimento não acompanha. Ele tenta manter o desempenho, o mesmo humor, o mesmo vigor, mas o que antes era natural agora depende de algo externo. É assim que a performance vira prisão. O sujeito não bebe mais para curtir, mas para não desmoronar. Não usa mais para se divertir, mas para continuar sendo o homem que inventaram para ele.
A psicologia compreende essa dinâmica como um tipo de fuga da realidade afetiva. Ao invés de entrar em contato com o que dói, solidão, medo, rejeição, impotência, o homem anestesia. Ele substitui o sentir pelo fazer, o vínculo pelo desempenho, o afeto pelo uso. E assim, o que parecia força revela-se fragilidade disfarçada.
O homem que precisa se drogar para ser homem está sendo homem para os outros, e não para si.
Reconhecer isso é o primeiro passo. O tratamento psicológico não retira a masculinidade, ele a reconstrói. Ensina o sujeito a se reconhecer sem precisar se esconder, a sentir sem medo de parecer fraco, a falar sem precisar se embriagar. O que antes era fuga, vira reencontro. E é nesse ponto que o homem, pela primeira vez, pôde existir sem performance, sem disfarce, com verdade.
*Nailton Reis é Neuropsicólogo Clínico com especialização em Neuropsicologia Cognitiva Comportamental, Avaliação Psicológica e Psicologia do Trânsito em Cuiabá-MT – CRP 18/7767
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