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Artigo

O cativeiro social e o direito autoral

Publicados

em

Autora: Valéria del Cueto*

Desenho florezinhas infantis na página que antecede esse texto no caderninho enquanto penso em por onde começar. Onde vou terminar, só o limite imposto pelo espaço do jornal de (mais ou menos, sempre pra mais) duas laudas, dirá.

Não, não sou eu quem me navego. Aprendi a lição com Paulinho da Viola que aprendeu com seu pai, César Faria. Se tivesse esse poder de me navegar não seria jornalista. Os eventos me procuram, não eu a eles e, como ser social, sou impelida a re/agir aos acontecimentos. Jornalisticamente

Essa escrevinhação era para ser sobre o Dia Nacional do Samba, 2 de dezembro. Data especial no calendário de quem, como eu, vê no ritmo uma avenida de prazeres para os necessitados de poesia e movimento se lançarem no período carnavalesco.

Festejos se espalham pela Cidade Maravilhosa. O Trem do Samba parte da Central do Brasil fazendo a ligação com as comunidades que ao longo dos trilhos consolidaram as características identitárias do povo do samba. A festa deságua em Oswaldo Cruz.

Aqui, na ponta do centro da cidade, desde o dia primeiro de dezembro a Cidade do Samba festeja com mais uma edição de mini desfiles, escolha da corte LGBTQIAPN+, shows com Diogo Nogueira e a roda de samba do Beco do Rato, entre outras atividades programadas pela Rio Carnaval, a Liesa e a Riotur. Entre as duas noites haverá a abertura da exposição “Corpo Popular”, de Leandro Vieira, com curadoria de Daniela Name, no Paço Imperial.

O carnavalesco campeão ocupa um dos mais nobres espaços culturais cariocas com um triplo carpado (estou com mania dessa imagem, daqui a pouco passa) finalizado com perfeição com os pés plantados no sofisticado universo das artes plásticas.

Lá vamos nós, do acervo carnevalerio.com, com algumas fotos para uma das instalações que ele criou. Quais são? Onde estão? Quem procura, acha. Mas vai ter que procurar bastante. Só dou uma dica: parte das imagens selecionadas é daquela por quem #meuamornuncatemfim, a Bateria da Mangueira.

Esse era meu rumo, esse era meu prumo, até a inaceitável abordagem no aeroporto de Brasília ao Cisne da Passarela, a porta-bandeira Vilma Nascimento, revistada em público numa loja do saguão.

Estava ruim? Pois é, como o mar não tem cabelo, pode piorar. Numa postagem nas redes sociais vi uma foto de Vilma, de punhos cerrados, na Sapucaí. Como reconhecê-la entre tantas? Pelo fato que gerou o registro feito no Desfile das Campeãs do carnaval de 2018.

A escola de samba Paraíso do Tuiuti deu um sacode na Sapucaí com seu enredo e alcançou sua melhor posição no Grupo Especial, o vice-campeonato. Vilma fazia o gesto com as mãos fechadas no refrão: “Meus Deus, meu Deus, se eu chorar não leve a mal. Pela luz do candeeiro, liberte o cativeiro social”. Vi a primeira vez fora do enquadramento e a acompanhei na pista até que o refrão se repetisse.

E lá estava a imagem nas redes sociais postada pela Anistia Internacional Brasil com o crédito: “reprodução”.

Sim, o carnaval está chegando. Época em que, paradoxalmente, evito as redes onde tenho que ficar brigando por algo que deveria ser óbvio: o direito autoral das imagens do acervo carnevalerio.com, protegidas pela lei 9610/1998.

Pelo “X” pedi que entrassem em contato. O que aconteceu rapidamente. Expliquei que a foto havia sido, inclusive, cortada. Dava pra ver a beira da marca d´água do lado direito. A gentil assessora esclareceu que havia sido capturada na rede, já sem o crédito.

Fui atrás e lá estava ela, publicada pela Veja Rio, na coluna de Bruno Chateaubriand com a marca d ‘água e o incrível crédito: “divulgação/divulgação”. Depois de algumas retuitadas o colunista entrou em contato e explicou que a foto chegou com um release sobre a honraria que Vilma recebeu dia 20 de novembro, dia da Consciência Negra. Ele também foi gentil, diligente e está sendo muito correto para sanar o uso indevido.

O que chamou minha atenção e demandou a mudança de rumo do meu barco/crônica foi o fato de que, em ambos os casos a responsabilidade pela inserção do material de forma irregular foi creditada a terceiros quando, na realidade, cabe ao editor/responsável pela publicação do material checar a fonte da foto, assim como a das informações veiculadas. Esse é o papel do jornalista. Checar informações.

A questão do direito autoral é muito séria, envolve interesses conflitantes e está no foco de discussões nas câmaras parlamentares nacionais e internacionais. Se informe, é o que peço.

É visível e, no meu caso, sentido na pele, o enorme desconhecimento sobre o tema que mudou o rumo da minha prosa para registrar um dos muitos casos que se repetem e multiplicam a cada temporada carnavalesca.

Essa, que não poderia deixar começar com uma saudação especial. Salve o Dia Nacional do Samba! Os sinais indicam que o tempo da folia está chegando.

Evoé, Momo!

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “É Carnaval” do SEM FIM… delcueto.wordpress.com

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Artigos

Do medo reprimido à fuga química, o homem que aprendeu a não temer vive refém da própria coragem

Publicados

em

Autor: Nailton Reis*

Neste artigo propõe um caminho para compreender o que a psicologia chama de “fuga da realidade”. Essa expressão, muitas vezes usada de forma genérica, descreve o movimento em que o sujeito, incapaz de lidar com o próprio mundo interno, seus sentimentos, medos e frustrações, passa a recorrer a comportamentos ou substâncias que o afastam de si mesmo.

Aqui, vamos construir um percurso lógico para entender como essa fuga pode acontecer na vivência masculina, especialmente em contextos de masculinidade tóxica e repressão sexual. Este artigo busca elucidar tais questões para complementar a série de textos disponíveis em @iMentesPlurais, trazendo de maneira clara, acessível e didática as discussões que envolvem a dependência química e seus desdobramentos emocionais.

É importante deixar claro que a dependência química não nasce apenas desse modo, e nem toda pessoa dependente passa pelo mesmo caminho. Mas essa é uma das possibilidades de compreensão: quando o uso de substâncias se torna uma forma de sustentar o papel de “homem de verdade”, aquele que não sente, não chora, não fraqueja.

Esse será, portanto, um olhar sobre o meio masculino como espaço de adoecimento e performance. Vamos examinar como a repressão dos sentimentos primários, a inibição emocional e a busca por aceitação social formam o terreno do uso abusivo, quando o sujeito passa a usar a substância para performar um personagem e não para se expressar.

Desde cedo, o homem é ensinado a não sentir. A ideia de “ser homem” vem carregada de mandamentos invisíveis: não chorar, não demonstrar medo, não hesitar, não fraquejar. E há um mandamento que é o mais perigoso de todos: “homem não pode ter medo”. Esse comando parece pequeno, mas ele vai moldando toda a forma de se relacionar com o afeto e com o risco.

  1. – Se eu não posso ter medo, então eu não posso dizer que estou com medo.
  2. – Se eu não posso dizer, eu não posso pedir ajuda.
  3. – Se eu não posso pedir ajuda, eu vou ter que parecer corajoso o tempo todo, mesmo quando estou apavorado.

Na adolescência, esse falso “não tenho medo” se mistura com o grupo e vira espetáculo. O menino que aprendeu a não demonstrar medo em casa, para não ser chamado de frouxo, agora entra num grupo que pede que ele prove o tempo todo que realmente não tem medo. É aí que aparece aquela cena que muita gente pergunta:

Mas por que ele não tem medo da polícia? Por que ele encara a morte, o racha, a briga de rua, como se fosse nada?

Muitas vezes não é que ele não tenha medo, é que ele foi treinado a inibir o medo. O sentimento existe, mas está soterrado. O que aparece é a performance de coragem. E a substância, o álcool principalmente, ajuda a sustentar essa atuação.

Essa é a educação emocional negativa que molda o menino. Ele aprende não o que fazer, mas o que evitar. A mensagem é clara: emoção é fraqueza, medo é coisa de quem não é homem. O resultado é um sujeito que cresce sem vocabulário emocional, sem autorização para expressar o que sente e, por isso, sem saber o que fazer com a própria dor.

Essa repressão dos sentimentos primários, medo, tristeza, afeto, necessidade de cuidado, cria uma espécie de silêncio interno. O menino que engole o choro cresce inibido, retraído, tímido. Não porque nasceu assim, mas porque aprendeu a conter. E essa contenção emocional, ao longo do tempo, não some, ela se acumula. Quando chega a adolescência, ele se depara com o grupo de pares, onde o valor não é a sensibilidade, e sim a ousadia.

No grupo, o que define o “homem” é o quanto ele aguenta, o quanto ele conquista, o quanto ele se impõe. Quem é tímido, quem hesita, quem se mostra vulnerável é ridicularizado. Surge então a fórmula do pertencimento: “se eu não posso ser, eu preciso parecer“. E para parecer, ele recorre àquilo que o ajuda a vestir a roupa da coragem: a substância.

O álcool, especialmente, aparece como o primeiro facilitador. Ele desinibe, solta a voz, reduz a vergonha, mascara a insegurança. Na prática, ele empresta coragem. É ali que a dependência simbólica começa, antes mesmo da química. O sujeito percebe que, sob o efeito da substância, ele é mais engraçado, mais confiante, mais sedutor. Ele descobre uma nova forma de existir, e essa forma vem com o rótulo de “homem de verdade”.

Mas há um preço alto nisso. Quando o homem passa a depender da substância para performar, ele cria uma segunda identidade, uma versão socialmente aceita, mas emocionalmente vazia. Ele bebe para ser. E quanto mais bebe, menos ele é. O “homem de verdade” que ele mostra para o mundo vai, pouco a pouco, substituindo o sujeito que sente, que erra, que precisa de ajuda.

A comunidade masculina, a dos amigos, das festas, das comparações, reforça esse papel. Cada dose é uma prova de masculinidade, cada transa, uma medalha. O problema é que, sem perceber, ele passa a usar não pela substância em si, mas pela validação que ela proporciona. A droga vira um espelho distorcido onde ele se reconhece. E é nesse espelho que o homem perde o próprio reflexo.

Com o tempo, o corpo se adapta e cobra. O prazer químico se impõe sobre o prazer humano, e a dopamina, aquele neurotransmissor que antes sinalizava conquista, afeto, motivação, passa a responder apenas à substância. O corpo reage, mas o sentimento não acompanha. Ele tenta manter o desempenho, o mesmo humor, o mesmo vigor, mas o que antes era natural agora depende de algo externo. É assim que a performance vira prisão. O sujeito não bebe mais para curtir, mas para não desmoronar. Não usa mais para se divertir, mas para continuar sendo o homem que inventaram para ele.

A psicologia compreende essa dinâmica como um tipo de fuga da realidade afetiva. Ao invés de entrar em contato com o que dói, solidão, medo, rejeição, impotência, o homem anestesia. Ele substitui o sentir pelo fazer, o vínculo pelo desempenho, o afeto pelo uso. E assim, o que parecia força revela-se fragilidade disfarçada.

O homem que precisa se drogar para ser homem está sendo homem para os outros, e não para si.

Reconhecer isso é o primeiro passo. O tratamento psicológico não retira a masculinidade, ele a reconstrói. Ensina o sujeito a se reconhecer sem precisar se esconder, a sentir sem medo de parecer fraco, a falar sem precisar se embriagar. O que antes era fuga, vira reencontro. E é nesse ponto que o homem, pela primeira vez, pôde existir sem performance, sem disfarce, com verdade.

*Nailton Reis é Neuropsicólogo Clínico com especialização em Neuropsicologia Cognitiva Comportamental, Avaliação Psicológica e Psicologia do Trânsito em Cuiabá-MT – CRP 18/7767

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