ARTIGO
NÃO HÁ TEMPO A PERDER
Autor: Carlos Brito de Lima –
A Assembleia Legislativa de Mato Grosso realizou audiência pública sobre a troca do modal de transportes para Cuiabá e Várzea Grande, na verdade, destroca, já que é a segunda vez que o faz. Em setembro de 2011, no mesmo ambiente e com características similares na sua realização, se discutiu a troca do BRT pelo VLT e agora, em fevereiro de 2021, acrescida da participação virtual, a retomada do projeto original do BRT em lugar do VLT.
Estando presente nas duas oportunidades, constatei que perdeu-se tempo e oportunidades de desenvolvimento para as duas cidades e suas populações, afinal já se vão 10 anos do irresponsável abandono do projeto original de BRT, que detinha a aprovação técnica e os recursos financeiros para a sua implantação.
Os enredos das duas audiências foram semelhantes, ou seja, anunciadas como uma discussão técnica, informativa e esclarecedora para a opinião pública, na prática transcorreram de forma dirigida e restrita a conveniências políticas. Pouco se falou, técnica e efetivamente, dos modais BRT (rodoviário) e VLT (ferroviário) enquanto soluções modernas e eficientes para o transporte público da população, restringindo-se à adoção de lados contrários e a favor, tendo os defensores da mudança para VLT reativado torcida organizada.
O tempo e os prejuízos confirmaram o alerta que eu fizera naquela primeira audiência de que a obra do VLT não ficaria pronta no prazo e que os seus custos seriam bem mais elevados do que aqueles apresentados à época, além da fragilidade da justificativa técnica argumentada pela consultoria contratada. Neste ponto, cabe um desagravo ao arquiteto e urbanista Rafael Detoni a quem tentam indevidamente atribuir contradição, já que ele sempre se pautou pelos estudos técnicos que concluíram pelo BRT como a solução mais apropriada para Cuiabá e Várzea Grande considerando as suas realidades e potencialidades.
Não se deve insistir na discussão de qual modal é melhor sem considerar a realidade e a efetiva necessidade dos dois sistemas municipais e o intermunicipal.
Acertou o governador Mauro Mendes ao acolher a conclusão dos estudos técnicos de que a retomada do projeto do BRT terá menor custo para o Estado e para o usuário, que terá um modal eficiente com uma tarifa menor. Assim como acertaram os deputados estaduais em aprovar com celeridade a autorização para sanar essa cicatriz e a Prefeitura de Várzea Grande, que entendeu a oportunidade em favor de seus munícipes.
Outro fato é que os recursos investidos em viadutos e trincheiras não serão desperdiçados, já que servirão ao BRT e atendem à toda população. Ainda, o governo discute na justiça a recuperação da outra parte do dinheiro público gasto em componentes do VLT.
Em outra análise, entre a audiência da AL de 2011 e a de 2021, a maior diferença foi exatamente a coragem do governante decidir um assunto polêmico com isenção e justificativas efetivamente técnicas, tendo como motivador a preservação do interesse público e não a corrupção. Afinal, o Estado de Mato Grosso é o tomador dos recursos junto à Caixa Econômica e é quem irá pagar por eles.
A proposta de realizar um plebiscito, feita pelos contrários à solução encontrada pelo governo, soa como delegar para a população aquilo que é obrigação e responsabilidade dos agentes e instituições públicas existentes.
Também, considerando o disposto na Constituição Estadual, é de se questionar se a obra de implantação de um modal de transporte restrito a trechos em dois municípios, caracteriza-se como impactante para o destino de todo Mato Grosso, exigindo que todos os 141 municípios sejam proporcionalmente ouvidos. Assim como mobilizar a Justiça Eleitoral para fazê-lo, em até 90 dias, a contar da aprovação pela Assembleia Legislativa, que também demandaria um outro tempo anterior para tramitar e decidir, sendo que mesmo que se tenha o número de deputados exigido para apresentar a proposta, estão também previstos constitucionalmente os requisitos para justificar a realização de um plebiscito.
Caso contrário, será mais tempo perdido e prejuízo.
Carlos Brito de Lima – Foi vereador, prefeito de Cuiabá e deputado estadual. Atualmente, está secretário adjunto da Casa Civil de MT
Artigos
Do medo reprimido à fuga química, o homem que aprendeu a não temer vive refém da própria coragem
Autor: Nailton Reis* –
Neste artigo propõe um caminho para compreender o que a psicologia chama de “fuga da realidade”. Essa expressão, muitas vezes usada de forma genérica, descreve o movimento em que o sujeito, incapaz de lidar com o próprio mundo interno, seus sentimentos, medos e frustrações, passa a recorrer a comportamentos ou substâncias que o afastam de si mesmo.
Aqui, vamos construir um percurso lógico para entender como essa fuga pode acontecer na vivência masculina, especialmente em contextos de masculinidade tóxica e repressão sexual. Este artigo busca elucidar tais questões para complementar a série de textos disponíveis em @iMentesPlurais, trazendo de maneira clara, acessível e didática as discussões que envolvem a dependência química e seus desdobramentos emocionais.
É importante deixar claro que a dependência química não nasce apenas desse modo, e nem toda pessoa dependente passa pelo mesmo caminho. Mas essa é uma das possibilidades de compreensão: quando o uso de substâncias se torna uma forma de sustentar o papel de “homem de verdade”, aquele que não sente, não chora, não fraqueja.
Esse será, portanto, um olhar sobre o meio masculino como espaço de adoecimento e performance. Vamos examinar como a repressão dos sentimentos primários, a inibição emocional e a busca por aceitação social formam o terreno do uso abusivo, quando o sujeito passa a usar a substância para performar um personagem e não para se expressar.
Desde cedo, o homem é ensinado a não sentir. A ideia de “ser homem” vem carregada de mandamentos invisíveis: não chorar, não demonstrar medo, não hesitar, não fraquejar. E há um mandamento que é o mais perigoso de todos: “homem não pode ter medo”. Esse comando parece pequeno, mas ele vai moldando toda a forma de se relacionar com o afeto e com o risco.
- – Se eu não posso ter medo, então eu não posso dizer que estou com medo.
- – Se eu não posso dizer, eu não posso pedir ajuda.
- – Se eu não posso pedir ajuda, eu vou ter que parecer corajoso o tempo todo, mesmo quando estou apavorado.
Na adolescência, esse falso “não tenho medo” se mistura com o grupo e vira espetáculo. O menino que aprendeu a não demonstrar medo em casa, para não ser chamado de frouxo, agora entra num grupo que pede que ele prove o tempo todo que realmente não tem medo. É aí que aparece aquela cena que muita gente pergunta:
“Mas por que ele não tem medo da polícia? Por que ele encara a morte, o racha, a briga de rua, como se fosse nada?“
Muitas vezes não é que ele não tenha medo, é que ele foi treinado a inibir o medo. O sentimento existe, mas está soterrado. O que aparece é a performance de coragem. E a substância, o álcool principalmente, ajuda a sustentar essa atuação.
Essa é a educação emocional negativa que molda o menino. Ele aprende não o que fazer, mas o que evitar. A mensagem é clara: emoção é fraqueza, medo é coisa de quem não é homem. O resultado é um sujeito que cresce sem vocabulário emocional, sem autorização para expressar o que sente e, por isso, sem saber o que fazer com a própria dor.
Essa repressão dos sentimentos primários, medo, tristeza, afeto, necessidade de cuidado, cria uma espécie de silêncio interno. O menino que engole o choro cresce inibido, retraído, tímido. Não porque nasceu assim, mas porque aprendeu a conter. E essa contenção emocional, ao longo do tempo, não some, ela se acumula. Quando chega a adolescência, ele se depara com o grupo de pares, onde o valor não é a sensibilidade, e sim a ousadia.
No grupo, o que define o “homem” é o quanto ele aguenta, o quanto ele conquista, o quanto ele se impõe. Quem é tímido, quem hesita, quem se mostra vulnerável é ridicularizado. Surge então a fórmula do pertencimento: “se eu não posso ser, eu preciso parecer“. E para parecer, ele recorre àquilo que o ajuda a vestir a roupa da coragem: a substância.
O álcool, especialmente, aparece como o primeiro facilitador. Ele desinibe, solta a voz, reduz a vergonha, mascara a insegurança. Na prática, ele empresta coragem. É ali que a dependência simbólica começa, antes mesmo da química. O sujeito percebe que, sob o efeito da substância, ele é mais engraçado, mais confiante, mais sedutor. Ele descobre uma nova forma de existir, e essa forma vem com o rótulo de “homem de verdade”.
Mas há um preço alto nisso. Quando o homem passa a depender da substância para performar, ele cria uma segunda identidade, uma versão socialmente aceita, mas emocionalmente vazia. Ele bebe para ser. E quanto mais bebe, menos ele é. O “homem de verdade” que ele mostra para o mundo vai, pouco a pouco, substituindo o sujeito que sente, que erra, que precisa de ajuda.
A comunidade masculina, a dos amigos, das festas, das comparações, reforça esse papel. Cada dose é uma prova de masculinidade, cada transa, uma medalha. O problema é que, sem perceber, ele passa a usar não pela substância em si, mas pela validação que ela proporciona. A droga vira um espelho distorcido onde ele se reconhece. E é nesse espelho que o homem perde o próprio reflexo.
Com o tempo, o corpo se adapta e cobra. O prazer químico se impõe sobre o prazer humano, e a dopamina, aquele neurotransmissor que antes sinalizava conquista, afeto, motivação, passa a responder apenas à substância. O corpo reage, mas o sentimento não acompanha. Ele tenta manter o desempenho, o mesmo humor, o mesmo vigor, mas o que antes era natural agora depende de algo externo. É assim que a performance vira prisão. O sujeito não bebe mais para curtir, mas para não desmoronar. Não usa mais para se divertir, mas para continuar sendo o homem que inventaram para ele.
A psicologia compreende essa dinâmica como um tipo de fuga da realidade afetiva. Ao invés de entrar em contato com o que dói, solidão, medo, rejeição, impotência, o homem anestesia. Ele substitui o sentir pelo fazer, o vínculo pelo desempenho, o afeto pelo uso. E assim, o que parecia força revela-se fragilidade disfarçada.
O homem que precisa se drogar para ser homem está sendo homem para os outros, e não para si.
Reconhecer isso é o primeiro passo. O tratamento psicológico não retira a masculinidade, ele a reconstrói. Ensina o sujeito a se reconhecer sem precisar se esconder, a sentir sem medo de parecer fraco, a falar sem precisar se embriagar. O que antes era fuga, vira reencontro. E é nesse ponto que o homem, pela primeira vez, pôde existir sem performance, sem disfarce, com verdade.
*Nailton Reis é Neuropsicólogo Clínico com especialização em Neuropsicologia Cognitiva Comportamental, Avaliação Psicológica e Psicologia do Trânsito em Cuiabá-MT – CRP 18/7767
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