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OPINIÃO

Mães empreendedoras: o legado que ninguém vê

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Autora: Cristhiane Athayde*

No debate sobre empreendedorismo feminino, existe uma narrativa subterrânea que raramente chega à superfície: a realidade das mães que empreendem não por escolha estratégica, mas por necessidade existencial.

Sou mãe de quatro filhos e empreendedora. Esses dois mundos não se tocam ocasionalmente – colidem diariamente, às vezes violentamente. É dessa colisão que nasce uma economia invisível aos olhos do mercado tradicional e das estatísticas oficiais.

Para muitas mulheres, empreender não representa liberdade geográfica, autonomia financeira ou realização pessoal – inicialmente, é a única arquitetura possível para uma vida em que ser mãe e profissional não seja uma equação impossível.

Quando o mercado exige presença integral e inflexível, a maternidade exige presença fracionada, mas constante. Entre esses dois modelos irreconciliáveis, o empreendedorismo surge não como sonho, mas como o caminho viável.

Existe um PIB produzido em horários que nenhuma planilha contabiliza. É o trabalho executado de madrugada, quando a casa silencia. São e-mails respondidos ao amamentar, estratégias desenvolvidas no trajeto escolar, negociações conduzidas em estacionamentos de hospitais pediátricos.

Este é um mercado paralelo que gera bilhões, mas que não aparece nos índices. Uma economia construída nos interstícios da vida familiar, nos momentos de “entre”: entre uma tarefa e um treino de futebol, entre uma emergência infantil e outra, entre um aniversário e uma apresentação de negócios.

O empreendedorismo materno carrega uma variável ausente para muitos: a culpa. Ela opera como taxa de juros emocional sobre cada minuto dedicado ao trabalho que poderia ser para os filhos, e sobre cada momento com os filhos que poderia fazer o negócio crescer.

Isso cria um paradoxo: mesmo quando o empreendedorismo é a solução encontrada para estar mais presente, ele se torna fonte de ausência. E na impossibilidade de resolver esta equação impiedosa, muitas mulheres adotam como estratégia trabalhar mais, dormir menos, e aceitar que perfeição não faz parte do vocabulário.

Tanto que o capital da empresa materna tem uma coluna extra: resiliência. É a capacidade de pivotar em segundos quando a babá cancela, de conduzir reuniões com uma criança febril no colo, de reformular estratégias inteiras entre um dever de casa e outro. Esta resiliência não é só um traço de personalidade. É um ativo econômico tangível.

Como especialista em propriedade intelectual, protejo o ativo intangível – a criatividade que emerge em paralelo à capacidade de fazer muito com pouco, de maximizar minutos, e desenvolver uma inteligência contextual que apenas nasce sob pressão constante. Blindo justamente os legados construídos contra todas as probabilidades.

E não. Mães empreendedoras não são heroínas de exceção. São mulheres que estão inadvertidamente reinventando modelos de negócios para que estes comportem a humanidade, a fragilidade e a imprevisibilidade que fazem parte da maternidade real – não a romantizada.

Enquanto construímos negócios e inovamos, educamos a próxima geração sobre resiliência e autodeterminação. Nossos filhos aprendem que sistemas podem ser recriados; impossibilidades podem ser desafiadas; e que o cuidado é parte intrínseca da economia, não seu opositor.

O que proponho aqui não é apenas reconhecimento – embora este seja necessário –, mas uma reflexão. Para que o trabalho reprodutivo (criar humanos) e o trabalho produtivo (criar valor econômico) não sejam mais tratados como mundos separados e antagônicos.

Afinal, a pergunta não é se é possível ser mãe e empreendedora simultaneamente. A pergunta é: o que seria da economia se todas nós desistíssemos?

*Cristhiane Athayde, empresária e diretora da Intelivo Ativos Intelectuais

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Artigos

O Dia das Mães: A luta por igualdade no trabalho!

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Autora: Jacqueline Cândido de Souza*

Em meio a homenagens e celebrações, o Dia das Mães nos convida a um olhar mais profundo sobre a realidade da mulher no mercado de trabalho. Afinal, a maternidade, essa experiência transformadora, frequentemente se torna um divisor de águas carregado de desigualdades persistentes que ecoam por toda a trajetória feminina.

Não falamos apenas de licença-maternidade ou acesso a creches — direitos importantes que, embora representem avanços, ainda são paliativos em um sistema que estruturalmente desfavorece a ascensão feminina. Falamos da sutil (e nem tão sutil) desvalorização salarial que acompanha as mulheres ao longo de suas carreiras, da baixa representatividade em cargos de liderança onde suas vozes e perspectivas são cruciais, e do peso desproporcional das responsabilidades familiares, que culturalmente ainda recai sobre os ombros femininos, limitando seu desenvolvimento profissional.

Essas desigualdades não são narrativas abstratas. Os números escancaram essa realidade: segundo o IBGE, mães com filhos de até três anos recebem, em média, apenas 57,8% do rendimento dos homens na mesma situação. A Fundação Getúlio Vargas (FGV) revelou um dado alarmante: quase 50% das mulheres são demitidas até dois anos após retornarem da licença-maternidade. E mesmo quando permanecem empregadas, muitas enfrentam estagnação em suas carreiras ou são deslocadas para funções de menor responsabilidade. Além disso, de acordo com o Instituto Ethos, apenas 13,6% dos cargos executivos nas 500 maiores empresas do Brasil são ocupados por mulheres — e esse número é ainda menor quando se trata de mulheres com filhos pequenos.

A busca por igualdade na jornada de trabalho não é uma pauta exclusiva das mães; é uma luta coletiva de todas as mulheres que almejam um espaço justo e equitativo no mercado. Contudo, o Dia das Mães escancara a urgência dessa pauta, revelando como a maternidade pode acentuar desigualdades já existentes. Quantas mulheres talentosas veem suas carreiras estagnadas, seus potenciais subutilizados, simplesmente por serem mulheres – e, tantas vezes, por ousarem ser mães?

O Direito, embora avance com legislações que visam proteger a maternidade e coibir a discriminação, ainda patina diante de práticas enraizadas, vieses inconscientes e culturas organizacionais que nem sempre acolhem as particularidades da jornada feminina. É preciso mais do que leis no papel: urge uma mudança cultural profunda nas empresas e em toda a sociedade, desconstruindo estereótipos e promovendo uma mentalidade de equidade genuína.

Que esta data não seja marcada apenas por flores, presentes ou almoços especiais. Que ela seja um catalisador de reflexão e, principalmente, de ação. Que a celebração da vida e do amor materno nos inspire a construir um mercado de trabalho mais justo, igualitário e verdadeiramente inclusivo para todas as mulheres, em todas as fases de suas vidas e carreiras.

A igualdade não é um favor: é um direito humano fundamental. E sua plena conquista talvez seja o presente mais valioso que podemos oferecer às mulheres — e, por consequência, a toda a sociedade.

*Jacqueline Cândido de Souza é advogada e servidora pública dedicada, engajada na defesa dos direitos das mulheres e na promoção da igualdade de gênero.

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