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Inclusão social e sustentabilidade no Agro brasileiro

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Autor: André Naves*

O agronegócio brasileiro vive um momento de transformação sem precedentes, no qual a inovação tecnológica e a bioeconomia se entrelaçam para redefinir não apenas a produtividade do campo, mas também os paradigmas de inclusão social e desenvolvimento humano. Entre 2019 e 2024, o número de startups do agronegócio (agtechs) saltou de 1.125 para 1.972, impulsionando uma revolução que ultrapassa a esfera econômica para atingir diretamente indicadores sociais. Cidades como Sorriso (MT) e Lucas do Rio Verde (MT), epicentros do agro nacional, viram seus Índices de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) subirem 44% e 40%, respectivamente, nas últimas décadas, contrastando com a estagnação de regiões desconectadas dessa dinâmica. Este avanço, no entanto, não é mero acaso: reflete um modelo em que tecnologia, políticas de inclusão produtiva e transição energética convergem para construir uma sociedade mais equitativa.

O crescimento das agtechs – que inovam o agronegócio através da tecnologia – não se limita à otimização de colheitas ou à digitalização de processos. Seu impacto mais profundo reside na capacidade de integrar pequenos e médios produtores a cadeias de valor antes restritas a grandes players. Plataformas de crédito rural baseadas em blockchain, por exemplo, já beneficiam 280 mil agricultores familiares, oferecendo taxas diferenciadas para quem adota práticas regenerativas. Esse movimento rompe com a lógica histórica de exclusão financeira, na qual 30% dos produtores permaneciam à margem do sistema bancário tradicional.

O cooperativismo emerge como peça-chave. Na Cooperativa Integrada, por exemplo, responsável por 13 mil associados, a assistência técnica, combinada com testes locais de bioinsumos, garantiu que 57% dos cooperados acima de 55 anos – faixa etária predominante no campo – adotassem tecnologias de agricultura de precisão. Esse modelo, que mescla tradição e inovação, mostra que a inclusão digital não é questão de substituição geracional, mas de adaptação contextualizada.

A correlação entre presença do agronegócio e elevação do IDH-M é incontestável. Enquanto a média nacional do índice permaneceu em 0,744 entre 2000 e 2010, municípios como Sapezal (MT) viram seu IDH-M saltar de 0,340 para 0,730 no mesmo período – crescimento de 115% impulsionado por investimentos em genética vegetal e parcerias com agtechs de big data. Esse fenômeno desmonta a falsa dicotomia entre progresso econômico e equidade social: onde o agro avança com inovação, escolas técnicas surgem, postos de saúde se modernizam; e o acesso à internet rural, mais um exemplo desse desenvolvimento social, saltou de 33% para 68% em cinco anos.

A Agrishow, maior feira de tecnologia agrícola da América Latina, encapsula essa transformação. Em 2024, o evento atraiu 195 mil visitantes de 70 países e gerou R$ 13,6 bilhões em negócios, mas seu legado mais duradouro foi a Rodada Internacional de Negócios, que conectou 15 mil pequenos produtores a mercados globais via plataformas de comércio eletrônico. Trata-se de um exemplo claro de como a tecnologia, quando aliada a políticas de acesso, pode reduzir assimetrias históricas.

Em outra frente, a bioeconomia brasileira, projetada para movimentar US$ 284 bilhões anuais até 2030, redefine o conceito de riqueza agrícola. Biofertilizantes à base de cianobactérias, por exemplo, já substituem 20% dos adubos químicos em cultivos de soja no Cerrado, elevando a produtividade em 12% enquanto reduzem emissões de metano em 18%. Esse salto qualitativo é viabilizado por startups como a BiomaTech, que desenvolveu um sistema de compostagem acelerada utilizando resíduos da cana-de-açúcar – tecnologia adotada por 45 usinas do interior paulista.

O potencial inclusivo dessa revolução é ampliado por modelos de negócio como o das cooperativas de energia solar. Na Bahia, temos mais uma mostra disso, onde 120 pequenos produtores compartilham uma usina fotovoltaica de 5 MW, reduzindo custos operacionais em 25% e vendendo excedentes para a rede elétrica. Esse arranjo, que combina sustentabilidade e geração de renda, demonstra como a transição energética pode ser socialmente estruturante, não apenas ambientalmente necessária.

O estudo “Potencial do Impacto da Bioeconomia para a Descarbonização do Brasil” revela que tecnologias como BECCS (Bioenergia com Captura e Armazenamento de Carbono) podem neutralizar 45% das emissões brasileiras até 2030, desde que integradas a políticas de reforma agrária e regularização fundiária. Aqui, o desafio é ético: garantir que comunidades tradicionais e agricultores familiares não sejam apenas beneficiários passivos, mas coautores dessas soluções.

A Embrapa Agroenergia avança nessa direção com a Plataforma ABC, conectando 500 mil propriedades rurais a créditos de carbono verificáveis. Produtores que aderem ao programa receberam, em média, R$ 2,4 mil por hectare/ano em 2024 – recurso reinvestido em educação técnica e infraestrutura local. Esse ciclo virtuoso evidencia que a descarbonização, quando aliada à inclusão produtiva, gera impactos sistêmicos.

Isso demonstra que as agtechs não são meras fornecedoras de gadgets agrícolas; são arquitetas de novos modelos de governança. A plataforma AgroHub, desenvolvida em parceria com o Hub CNA Digital, permite que 85 mil produtores acompanhem em tempo real a tramitação de políticas públicas relacionadas ao setor, participando de consultas populares, via celular. Essa ferramenta, que reduziu em 40% o tempo de aprovação do Plano Safra 2024-2025, prova que a inclusão digital é também inclusão política.

Em âmbito internacional, o Ecossistema AgTech-FoodTech da Ibero-América, com 1.703 empresas registradas, está desenvolvendo protocolos de rastreabilidade que vinculam práticas sustentáveis a acesso preferencial a mercados. No Brasil, 120 startups adotaram o selo GreenChain, que premia produtores que adotam práticas sustentáveis e inovadoras em suas atividades e eliminam trabalho análogo à escravidão em suas cadeias.

O desafio, entretanto, ainda persiste na base: 30% dos produtores rurais ainda não utilizam ferramentas digitais, muitas vezes por analfabetismo funcional. Programas como AgroSaber, lançado em 2024 pela SP Ventures, estão revertendo essa realidade por meio de cursos EaD, em linguagem simples, disponíveis até mesmo via SMS. Dos 150 mil matriculados no primeiro semestre, 68% eram mulheres chefes de família – grupo historicamente excluído da assistência técnica convencional.

Os dados são claros: municípios onde agtechs atuam em parceria com cooperativas têm IDH-M 22% superior à média nacional. A bioeconomia, por sua vez, já responde por 14% do PIB agrícola, gerando 2,3 milhões de empregos diretos em atividades que vão desde a produção de biofertilizantes até a gestão de créditos de carbono.

Por outro lado, a exclusão de 450 mil pequenos produtores do sistema de inovação – muitos deles quilombolas ou indígenas – expõe as fissuras de um modelo ainda incompleto. A solução passa por políticas públicas que tratem tecnologia não como fim, mas como meio para a construção de direitos. O exemplo das usinas solares cooperativistas e das plataformas de governança participativa mostra que outro caminho é possível: aquele em que lucro e propósito, produtividade e dignidade, avançam lado a lado.

Num mundo assolado por crises climáticas e desigualdades crescentes, o agro brasileiro tem a chance única de redefinir seu papel histórico. Não mais como mero exportador de commodities, mas como laboratório global de um desenvolvimento que inclui, protege e emancipa. Cabe a nós, sociedade, exigir que essa promessa se cumpra – com urgência, com ética, e com a intransigente defesa da vida em todas as suas formas.

*André Naves é Defensor Público Federal formado em Direito pela USP, especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social; mestre em Economia Política pela PUC/SP. Cientista político pela Hillsdale College e doutor em Economia pela Princeton University. Comendador cultural, escritor e professor

– Instagram: @andrenaves.def.

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O Dia das Mães: A luta por igualdade no trabalho!

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Autora: Jacqueline Cândido de Souza*

Em meio a homenagens e celebrações, o Dia das Mães nos convida a um olhar mais profundo sobre a realidade da mulher no mercado de trabalho. Afinal, a maternidade, essa experiência transformadora, frequentemente se torna um divisor de águas carregado de desigualdades persistentes que ecoam por toda a trajetória feminina.

Não falamos apenas de licença-maternidade ou acesso a creches — direitos importantes que, embora representem avanços, ainda são paliativos em um sistema que estruturalmente desfavorece a ascensão feminina. Falamos da sutil (e nem tão sutil) desvalorização salarial que acompanha as mulheres ao longo de suas carreiras, da baixa representatividade em cargos de liderança onde suas vozes e perspectivas são cruciais, e do peso desproporcional das responsabilidades familiares, que culturalmente ainda recai sobre os ombros femininos, limitando seu desenvolvimento profissional.

Essas desigualdades não são narrativas abstratas. Os números escancaram essa realidade: segundo o IBGE, mães com filhos de até três anos recebem, em média, apenas 57,8% do rendimento dos homens na mesma situação. A Fundação Getúlio Vargas (FGV) revelou um dado alarmante: quase 50% das mulheres são demitidas até dois anos após retornarem da licença-maternidade. E mesmo quando permanecem empregadas, muitas enfrentam estagnação em suas carreiras ou são deslocadas para funções de menor responsabilidade. Além disso, de acordo com o Instituto Ethos, apenas 13,6% dos cargos executivos nas 500 maiores empresas do Brasil são ocupados por mulheres — e esse número é ainda menor quando se trata de mulheres com filhos pequenos.

A busca por igualdade na jornada de trabalho não é uma pauta exclusiva das mães; é uma luta coletiva de todas as mulheres que almejam um espaço justo e equitativo no mercado. Contudo, o Dia das Mães escancara a urgência dessa pauta, revelando como a maternidade pode acentuar desigualdades já existentes. Quantas mulheres talentosas veem suas carreiras estagnadas, seus potenciais subutilizados, simplesmente por serem mulheres – e, tantas vezes, por ousarem ser mães?

O Direito, embora avance com legislações que visam proteger a maternidade e coibir a discriminação, ainda patina diante de práticas enraizadas, vieses inconscientes e culturas organizacionais que nem sempre acolhem as particularidades da jornada feminina. É preciso mais do que leis no papel: urge uma mudança cultural profunda nas empresas e em toda a sociedade, desconstruindo estereótipos e promovendo uma mentalidade de equidade genuína.

Que esta data não seja marcada apenas por flores, presentes ou almoços especiais. Que ela seja um catalisador de reflexão e, principalmente, de ação. Que a celebração da vida e do amor materno nos inspire a construir um mercado de trabalho mais justo, igualitário e verdadeiramente inclusivo para todas as mulheres, em todas as fases de suas vidas e carreiras.

A igualdade não é um favor: é um direito humano fundamental. E sua plena conquista talvez seja o presente mais valioso que podemos oferecer às mulheres — e, por consequência, a toda a sociedade.

*Jacqueline Cândido de Souza é advogada e servidora pública dedicada, engajada na defesa dos direitos das mulheres e na promoção da igualdade de gênero.

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